Choro preso na garganta. Não, não sei o motivo, nem quero chorar, mas o choro está aqui, represado. Há uma dor, uma dor perene, uma enxaqueca emocional. Cada vez que o coração bate, cada volta que o sangue dá, dói. Não, não sei o motivo, não há prazer nessa dor, não é uma dor amiga. Há uma desesperança, uma apatia profunda, o mundo é colorido ao meu redor, mas só o vejo cinza e às cinzas. Não, não sei o motivo, não quero morrer, mas viver está doendo. Eu ando, mas não caminho. Eu salto, mas não saio do chão. Eu decolo, mas não voo. Eu mergulho, mas não me molho. Não, não sei o motivo, mas abrir os olhos não é confortável e respirar é um desafio. Pessoas falando coisas inaudíveis, músicas tocam desafinadas, na TV as imagens estão borradas, bem-te-vis gralham e cigarras uivam. Não, não sei o motivo, nem sei se há e isso é agoniante. Olho para o horizonte e nada vejo, olho ao redor e vejo nada. Há apenas o não existir, um vasto e inextinguível vazio. Não... Não sei o motivo...
Da inércia veio o golpe... Passaria desapercebida sua chegada, não fosse a adoção da estupidez, da crueldade, do silenciar da desesperança. A dor tornou-se moeda corrente, o medo fez morada nas esquinas, o som dos motores não causava euforia, mas apenas pânico. Com requintes azuis, vermelhos e brancos, a bandeira outrora azul, branca, verde, amarela fez-se rubra, temperada com sangue de ratos e pólvora. Uma terra, outrora construída com o sangue de mãos pretas, que, contudo, hasteava bandeira com as cores do brasão de família luso-austríaca, herdeiros, exploradores, foi inundada pelo ridículo e patético pânico de um projeto de sociedade justa, dos comuns. O verde, herança de Bragança na flâmula, agora era a cor daqueles que distribuíam tiros, pontapés e torturava o próprio povo. O amarelo, herança de Habsburgo, agora era apenas a cor da luz nos postes, iluminando corpos inertes, outrora cheios de jovem vigor e vasta esperança. Ao branco e azul restaram os papéis e tintas das esferográ